Antonio Carlos Aguiar*
Há cinquenta anos, no dia 12 de julho de 1962, no Marquee Club, um
novo grupo formado por Brian Jones, Mick Jagger, Keith Richards e outros três
músicos, deu seus primeiros passos em um palco. No dia seguinte, no Brasil, por
meio da lei 4.090, de autoria do então senador Aarão Steinbruch, era sancionado
pelo presidente João Goulart, o décimo terceiro salário (batizado de
gratificação natalina), como um benefício a mais para o trabalhador. Esse
benefício está previsto, além da referida na Lei, também na Constituição
Federal (art. 7o, inciso VIII, como um direito do trabalhador, urbano ou rural,
que visa a melhoria da sua condição social).
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), o décimo terceiro pago em 2011 injetou R$ 118 bilhões
na economia doméstica. Portanto, à primeira vista, realmente ele parece
representar uma “grande conquista” para a classe trabalhadora. Será mesmo?
Os Rolling Stones, por certo, se tornaram uma lenda viva do rock e têm muito
o que comemorar. Agora, essa história de décimo terceiro salário...
O décimo terceiro salário nada mais é do que um componente da remuneração do
trabalhador. A pergunta, então, que se faz, é: por que ele não pode ser
agregado à remuneração mensal do trabalhador? Por que o trabalhador não pode,
mês a mês, administrá-lo da melhor maneira que lhe interessar? Por que, apenas,
no final do ano (e ainda dividido em duas parcelas: uma até o final do mês de
novembro e outra no mês de dezembro) lhe é destinado esse valor? Por que, em
pleno século XXI, ele tem de ser tratado como uma pessoa incapaz de cuidar do
seu próprio dinheiro?
Poder-se-á dizer que não é bem assim. Que o décimo terceiro consiste numa
parte variável do salário e, portanto, num “plus”. Por isso mesmo, algo
positivo, que “visa à melhoria da sua condição social”.
Não é verdade. Fosse uma parcela variável, estaria atrelado a metas. Seria
um prêmio; uma bonificação extra pelo desempenho pessoal do trabalhador. Uma
recompensa pelos seus esforços, dedicação, talento ou qualquer outra
adjetivação. Todavia, não é. Aliás, sequer a legislação trabalhista atual
possibilita essa negociação individual. Se a empresa pagar regularmente
determinado valor, este automaticamente integrará o “patrimônio” do trabalhador
e não poderá ser mais retirado. Exceção – diga-se – é a Participação nos Lucros
ou Resultados (PLR), mas ela não tem natureza jurídica salarial, tal como o
décimo-terceiro salário. Portanto, são coisas distintas.
O que está em discussão é outra coisa: devemos, passado meio século da
instituição dessa “gratificação natalina”, parar, pensar e refletir. E nos dar
conta de que o Brasil mudou. Que seus trabalhadores também mudaram. Que vivemos
numa sociedade de plena informação. Que uma legislação do século XX, que trata
o trabalhador do século XXI, como se estive vivendo o século XIX, não pode mais
ser mantida.
Devemos, pois, nos renovar. E essa renovação deve ser feita com alma
indômita. Com espírito altivo e inconformado. Com o entusiasmo de um João
Mangabeira, que há mais de 60 anos, mais precisamente em 1946, discursava: “Vós
ides ser a voz de um novo mundo, de uma democracia nova, gerada nas entranhas
da dor. Desprezai os reacionários, os retrógados, os retardados. Quebrai os
velhos moldes carcomidos. Alijai as velhas ânforas, que não suportariam o
fermentar do vinho novo da vida. Derrubai os falsos ídolos. Destruí os
preconceitos absurdos e os privilégios caducos. Plasmais com vossas mãos,
vossos destinos”.
Bem-vindos todos ao século XXI. Que sejam os trabalhadores tratados como
adultos e não como pessoas relativamente incapazes ou, ainda, como o famigerado
“filho pródigo”. “Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Ponham um
anel no dedo dele e sandálias nos seus pés. Também tragam e matem o bezerro
gordo. Vamos começar a festejar, porque este meu filho estava morto e viveu de
novo; estava perdido e foi achado” (Evangelho de Lucas).
* Antonio Carlos Aguiar é mestre em Direito de Trabalho, sócio do
escritório Peixoto e Cury Advogado, professor do Centro Universitário
Fundação Santo André e autor do livro “Negociação Coletiva de Trabalho” - antoniocarlos.aguiar@peixotoecury.com.br