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10 maio 2013

O mercado de luxo e as novas exigências de informações ao COAF


Para escrever este artigo pensei muito. Pensei tanto que imaginei estar sendo inconveniente defendendo de forma tão veemente como nos últimos anos a ordem econômica cravada nos artigos da Constituição Federal.

Diga-se de início que trato nesta ocasião da Resolução 25 do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) órgão que integra o Ministério da Fazenda.

Primeiro devemos nos situar – ainda que de forma singela–que o COAF tem por vocação a criação e gestão de mecanismos que funcionem como ferramenta de controle para evitar os crimes de lavagem de dinheiro e terrorismo – seja lá o que signifique este termo em nosso ordenamento – previstos na Lei 9.613 de 1998, com as alterações previstas na lei 12.683 de 2012.

Vale desde início ressaltar que as inovações trazidas pela Lei 12.683 de 2012 foram substanciais no sentido da ampliação das possibilidades e ferramentas a disposição do Estado para impedir a lavagem ou ocultação de bens e valores, sendo o COAF protagonista em todo este processo.

E foi no contexto do controle de atividades financeiras que sempre funcionou o COAF, contudo tal atividade foi deveras estendida em 2012 pela nova legislação de regulação da matéria, sendo incluídas diversas atividades econômicas, dentre elas “pessoas jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor”, “empresas de consultoria e auditoria”, “compra e venda de imóveis”, “alienação de direitos em atividades esportivas” etc, como possíveis “pessoas” obrigadas a prestar informações econômico-financeiras diretamente ao COAF.

Cogitou-se até que nós os advogados devêssemos informar via COAF eventual “operação suspeita”, um absurdo que só foi corrigido por meio da intervenção judicial iniciada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Pretendiam acabar com um dos maiores deveres do advogado para com seu cliente: o sigilo profissional.

A Resolução 25 do COAF procurou conceituar o que é o mercado de luxo, o de plano já nos parece equivocado, pois, definir e/ou conceituar institutos não é função de Resolução, em todo caso narra: “Para os fins desta Resolução, entende-se como de luxo ou alto valor o bem móvel cujo valor unitário seja igual ou superior a R$10.000,00 (dez mil reais) ou equivalente em outra moeda.”

Confesso que alguns se sentiram ofendidos, pois certamente tinham outro conceito de luxo, mas, nos apegaremos somente aos aspectos legais e não daremos uma extensão semântica ao aludido dispositivo, mesmo porque, o luxo é sempre passageiro, sofre com a corrosão do tempo, mazela não atingida pelo conhecimento, este sim o material humano disponível na terra, entretanto, o mercado que vive do luxo, este deve ser preservado como atividade econômica.

Assim, estão obrigados aqueles que promovam negócios acima de R$10.000,00 e que constem na relação de atividades descritas na lei que mantenham arquivo com cadastro, informações e uma série de absurdas burocracias, durante anos para que um dia, talvez, o COAF as exija para avaliar a fonte de recursos ou possibilidade financeira daqueles que compram as mercadorias.

O absurdo não para por aí. Exige-se que as empresas criem um cadastro e caso seu cliente adquira no período de seis meses, produtos ou serviços em valor superior a R$30.000,00 será obrigatória a informação ao COAF por meio de acesso eletrônico.

Neste momento do texto é necessário respirar um pouco para não passar para as páginas o inconformismo de quem se dedica ao estudo de fenômenos jurídicos e se depara com um disparate técnico de tal natureza.

O que está a fazer o administrador público que edita tal assombração que responde pela alcunha de resolução? Respondo: Está claramente a interferir na forma de gerenciamento de carteira dos clientes.

Obrigar um contribuinte, jurisdicionado, ou, seja lá que nome se queira dar ao cidadão, a manter um cadastro com determinação de tempo, valor, periodicidade é interferir claramente em atos de gestão, que são privados e protegidos pela Constituição Federal na medida em que compõe evidentemente aspectos da livre iniciativa princípio erigido como fundamento da República nos termos do artigo 1º, inciso IV da Carta Maior.

O que se vislumbra é que o órgão destinado ao controle de volumes e trânsito de recursos financeiro advindos de atividades “duvidosas” vem ganhando contornos de intervenção direta na atividade econômica, chegando mesmo a criar regras que exorbitam os critérios previstos na chamada Lei de Lavagem de Dinheiro. Se alguém tem alguma dúvida basta ler a missão do COAF narrada em seu site: “Prevenir a utilização dos setores econômicos para a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, promovendo a cooperação e o intercâmbio de informação entre os Setores Público e Privado”.

É evidente que não há sequer menção à intervenção na atividade privada; devendo ser suas medidas setoriais, de mercado, como narra a missão e a própria lei que o criou, e o texto e contexto comprovam que foi abandonada tal premissa em nome da nomeação do empresariado como fiscal, em uma sub-rogação inaceitável.

Volto a dizer que livre iniciativa não é somente o direito de empreender. É, além disso, o direito de decidir como empreender. Como administrar e gerir clientela e ramo de atividade.

Embora no Julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, no chamado “Mensalão” tenhamsido discutidos e mesmo alteradosconceitos importantes sobre a forma de interpretação da chamada Lei de

Lavagem de Dinheiro, tais como a “teoria do domínio funcional” ou a “teoria da cegueira deliberada” não se pode crer que a interpretação tenha chegado ao ponto de fazer dos empresários verdadeiros fiscais da origem de recursos de seus clientes.

É importante ressaltar que a intervenção na iniciativa privada fica evidente ao fazermos o seguinte cotejo: Ao consumidor é resguardado o direito de total transparência e informação em suas compras, direito resguardado pelo Código de Defesa do Consumidor. Ao consumidor é ainda resguardado o direito de não ser inscrito em nenhum tipo de cadastro público ou privado,ou ainda ficha com seus dados pessoais, sem que o tenha solicitado ou autorizado, como narra o artigo 43 §2º do referido Diploma Legal.

Logo, estaria o empresário, comerciante, obrigado a informar ao cliente – por conta da obrigação de transparência – de que faria uma informação ao COAF, e assim, abrindo séria possibilidade de por puro receio deste frente a conhecida voracidade do poder público perder a venda. E o cliente(consumidor) por sua vez não teria como recusar-se a participar da criação de tal banco de dados (em relação ao volume de vendas no semestre). Um verdadeiro absurdo.

Pois bem, para que não sejamos acusados de não fazer uma interpretação “sistemática” vale dizer que a Lei 9.613 de 1998, com a nova redação dada pela lei 12.683 de 2012, prevê em seu artigo 11, II, que seja prestada a informação ao COAF no prazo de 24 horas e que “deverão comunicar ao COAF, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela a que se refira a informação”.

A qual determinação deve o empresário respeitar? A integridade na sua relação com sua clientela ou a problema de investigação de recursos que cabe exclusivamente ao poder público?

O conflito de normas é evidente, e a explicação singela: sempre que o poder público se põe a tentar adentrar nos valores da livre iniciativa e na atividade privada – situação que já é por demais regulada – ocorre um choque entre enunciados normativos, na maioria das vezes insolúvel.

Não se está a defender no mercado financeiro a facilitação na ocultação de recursos. O que se está a pontuar é que a lavagem de dinheiro é sempre antecedida por outro crime gerador de recursos ilícitos. É a corrupção na maioria das vezes que alimenta este tipo de delito e não a conduta de quem vende produtos ditos como de luxo.

A diminuição da incidência do chamado “branqueamento de recursos” passa por regras punitivas dos envolvidos. E como dito – é tema que vale insistir – a corrupção pública e privada é que abastece este mercado criminoso, mas, como sempre no Brasil para tratar o carrapato é mais fácil matar a vaca.

Não há dúvida que as empresas buscarão sua proteção batendo às portas do Poder Judiciário. E mais uma vez caberá reprimenda de manifestos abusos do poder público e ainda há quem critique a atuação dos Tribunais a se manifestar sobre todo enunciado normativo.

A acidez no discurso que é incomum a este pobre mortal é passível de explicação na frase de dois incríveis Professores que comentam aspectos da obra do Jusfilósofo Norberto Bobbio; diz: “O pensamento de Bobbio rema contra a maré do que vem acontecendo neste aterrorizante início do século XXI, permeado por governos visíveis e poderes invisíveis que manipulam as instituições democráticas”.ⁱ

A todos é reservado um dia experimentar o sentimento humano do brilhante Bobbio, hoje talvez tenha sido minha chance.

Referência:
ⁱAlberto Filippi, Celso Lafer; A presença de Bobbio: América Espanhola, Brasil, Península Ibérica,2004, pág.12

***Artigo escrito por Aílton Soares De Oliveira, advogado e sócio do GDO Advogados e especialista em direito Tributário pela PUC de São Paulo.

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