Por Breno
Rosostolato*
Somos
assolados por políticos corruptos, mentalidades rígidas que conduzem o governo
de maneira pouco flexível e com conceitos impositivos e absurdos. O que muitos
parlamentares possuem é um sentimento de soberba, cuja posição política é
sustentada por posicionamentos distorcidos da própria vida, da sociedade e do
mundo. A sensação que tenho é que o momento histórico contemporâneo e cultural
do Brasil é ignorado por uma grande parcela de políticos, que não se atentam às
mudanças da sociedade. Políticos que fazem pouco caso da transformação de
mentalidades da população e que deveria ser enaltecida e contemplada, porque
amplia-se a discussão e as reflexões sobre os papéis sociais, a sexualidade, a
participação politizada das pessoas sobre as mazelas do Brasil e por ai vai.
Não são todos, mas políticos como Marcos Feliciano (PSC-SP), presidente da
Comissão de Direitos Humanos e Jair Bolsonaro (PP-RJ) se sentem intocáveis e
fazem um desserviço para a população brasileira.
Com
um discurso homofóbico, os parlamentares são conhecidos por um posicionamento
arbitrário e agressivo em relação aos homossexuais. As absurdas e agressivas
declarações da dupla incitam a violência e semeiam o ódio.
Toda
essa polêmica em torno da homossexualidade e as opiniões contrárias dos
parlamentares já seriam suficientes para questionarmos, de fato, quais os
benefícios para a nação em tê-los como representantes da sociedade. O mais
triste é que as idéias preconceituosas e pouco esclarecidas representam uma
grande parcela da população que se espelha nas considerações deturpadas que os
dois fazem das identidades sexuais e insistem em resistir às transformações que
estão acontecendo.
Uma
lei apelidada de “cura gay” foi aprovada, à surdina, em meio aos protestos e
manifestações políticas que acontecem em todo o país, na Comissão de Direitos
Humanos e Minorias no último dia 18 de junho. A proposta de lei terá que passar
ainda por outras duas comissões, da Seguridade Social e Constituição e Justiça.
Se aprovada em ambas, segue para o plenário da Câmara. O texto, o Projeto de
Decreto da Câmara (PDC) 234 anula e corrige dois artigos do Conselho Regional
de Psicologia. Para ilustrar, transcreverei os artigos em questão:
“Resolução nº 1/1999
Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que
favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem
adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não
solicitados.
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com
eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão, nem
participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de
modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais
como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Esta proposta, além de ser um
grande equívoco, é mal intencionada. A lei de fato não fala em “cura gay”, não
explicitamente. A concepção de uma cura é implícita na intenção da proposta.
Está nas entrelinhas. A lei se expressa entre aspas sutilmente, mas é bastante
incisiva. Se alguém vai a uma clínica de psicologia para mudar sua orientação
sexual é porque se considera doente, enfermo e portador de algo maléfico. Esta
é a maneira da lei patologizar a homossexualidade.
A pessoa pode estar
descontente de sua orientação sexual, se sentir incomodado com seu desejo por
alguém do mesmo sexo, mas isso se deve a uma opressão social, que faz com que
esta pessoa se sinta retraída, culpada, envergonhada de si mesmo. Uma sociedade
heteronormativa que determina um padrão correto de expressar sua sexualidade e
sentimentos, ou seja, uma relação amorosa e sexual deve acontecer apenas por
pessoas do sexo oposto, cercando a liberdade e autonomia da pluralidade sexual
que sempre fez parte das relações interpessoais e é integrante da história da
humanidade. A proposta de lei coíbe e cerceia a aceitação que uma pessoa deve
ter aos seus próprios desejos e a maneira de se reconhecer como um ser livre.
Os defensores da lei argumentam que a
esta visa ampliar os serviços da psicologia e aumentar a prática do psicólogo,
além de questionar a determinação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), pois
de acordo com os parlamentares que defendem a PL, o órgão “extrapolou o seu poder regulamentar e usurpou a
competência do Legislativo”.
O que parece um
discurso muito bonito e justo é na verdade uma alegoria de idéias bizarras e
leviandades, que não amplificará o atendimento do psicólogo, mas na verdade,
distorce a verdadeira atuação do profissional, que é dar condições para o
cliente de vencer seus preconceitos e dar sustentação a sua autonomia e
emancipar-se a alguns conceitos que são empecilhos para se reconhecer e se
aceitar. Querem transformar o psicólogo num repressor, num limitador. A
concepção desta famigerada lei é uma tentativa de justificar a homofobia tendo
a psicologia como embasamento, uma vez que não podem simplesmente confrontar
com a homossexualidade e para isso, querem usar as práticas psicológicas para
fortalecer um pensamento retrógrado e arcaico. Fico preocupado com a aprovação
desta proposta de lei porque o retrocesso é evidente. Fico imaginando cursos
promovidos para ensinar técnicas de mudar uma identidade sexual ou até mesmo
cursos de especialização para tais práticas. Clínicas com a seguinte
propaganda: “Entre gay e saia macho”. É, acho melhor não pensar não que me faz
mal.
Devemos
curar sim o preconceito e combater os conceitos deturpados, a ignorância da
sociedade sobre a homoafetividade. Duas mulheres podem se amar. Dois homens
podem se amar. Estes casais devem se amar e serem felizes.
Além
de não me sentir representado ou amparado por esta proposta de lei, repudio
totalmente não só a lei como os profissionais que consideram a "cura
gay" como uma realidade. A cura gay é mais uma das mazelas e uma penúria
social. A
pessoa não está homossexual, a pessoa é homossexual.
* Breno Rosostolato é
psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina - FASM.
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