A proximidade dos leilões para as
concessões dos aeroportos internacionais do Galeão/Antônio Carlos Jobim, no Rio
de Janeiro, e Tancredo Neves, em Belo Horizonte, levanta dúvidas sobre a
questão da insegurança jurídica dos processos. Recentemente, o Ministério
Público Federal do Rio de Janeiro pediu a suspensão do leilão para a concessão
do Aeroporto do Galeão, alegando que o edital tem falhas em cláusulas de
segurança. A solicitação foi rejeitada pela Justiça.
A concessão do Aeroporto de Cumbica, em
2012, também enfrenta questionamentos. Construído em área doada, foi objeto de
notificação recente dirigida à União, à Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac) e à concessionária privada responsável pela gestão do Aeroporto
Internacional de São Paulo. A medida foi tomada por herdeiros da família Guinle
(José Eduardo Guinle, Luiz Eduardo Guinle, Octávio Eduardo Guinle, Georgiana
Salles Pinto Guinle e Gabriel Guinle). Eles entendem que foram
quebradas as condições impostas para a doação do terreno onde hoje está
localizado o aeroporto de Cumbica, dado que o propósito original para o qual o
terreno foi doado deixou de existir (detalhes abaixo).
A família pede a devolução da área doada
ou uma indenização. A mesma notificação foi comunicada às empresas que compõem
a concessionária que controla o Aeroporto de Cumbica: Infraero, Investimentos e
Participações em Infraestrutura S.A. (Invepar) e Airports Company South Africa
(ACSA). Além destes, são também notificados os sócios da Invepar: Fundação
Petrobras de Seguridade Social (Petros), OAS Investimentos S. A, Construtora
OAS S.A, OAS S.A., Fundação dos Economiários Federais (Funcef), e Caixa de Investimento
dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).
Notificação – No dia 5 de novembro o escritório
Andrade Maia Advogados protocolou, na Vara Federal da Justiça Federal de
Guarulhos, notificação judicial que alerta para o descumprimento dos termos
previstos na doação de terra onde, atualmente, está localizado o Aeroporto
Internacional de Guarulhos (Cumbica), em São Paulo.
A doação da área realizada em 1940 foi
feita pelas famílias Guinle e Samuel Ribeiro, através da Empreza Agricola
Mavillis, sociedade entre ambas. “Com a doação, as famílias visavam oferecer um
benefício à sociedade brasileira permitindo que, na área doada, fosse
construído um aeródromo militar sob a jurisdição do então Ministério da Guerra.
A intenção era a de ampliar e reforçar o sistema de defesa brasileiro durante a
Segunda Guerra Mundial”, conta Fabio Goldschmidt, sócio-diretor
na Andrade Maia Advogados, escritório contratado para defender os direitos dos
herdeiros. Para garantir a efetividade do objetivo proposto no ato da doação foi
realizada a ‘doação modal’ – que condiciona sua manutenção ao cumprimento das
condições previstas.
Os herdeiros entendem que houve o
descumprimento das condições impostas no momento da doação e a notificação
pretende prevenir responsabilidades e estabelecer um diálogo entre as partes
envolvidas. “Claro que o terreno que abriga o Aeroporto de Cumbica vale
bilhões, mas por não conter a notificação um valor líquido, preferimos, neste
momento, não estabelecer um valor para a eventual demanda”, acrescenta Goldschmidt.
Caso a notificação não seja atendida, os
herdeiros pretendem entrar com uma ação judicial contra as notificadas,
eventualmente acompanhada de pedidos liminares.
Para entender o contexto da notificação:
A partir da criação da ANAC, em 1985, a
Infraero, até então subordinada aos órgãos do Ministério da Defesa, passou a
ser fiscalizada pela referida autarquia. Ainda havia, neste momento, um vínculo
entre ANAC e Ministério da Defesa, que atendia a um dos objetivos da doação –
que transferiu o terreno para a defesa do país.
O cenário começou a mudar em março de
2011, quando o Governo Federal criou a Secretaria de Aviação Civil da
Presidência da República, com status de Ministério. O Ministério da Defesa
permaneceu como responsável para as questões relativas à aviação militar, e a
Secretaria passou a cuidar da aviação civil. Sob sua administração ficaram os
bens e a jurisdição de todos os aeroportos civis e comerciais do país, entre
eles o Aeroporto de Guarulhos.
“Conforme verificamos”, explica Fabio
Goldschmidt, “houve quebra de uma das condições da doação: a que exigia a
manutenção das terras sob a jurisdição do Ministério da Guerra, ou aquele que
lhe sucedesse como responsável pela segurança nacional, atualmente o Ministério
da Defesa”. Entretanto, ainda assim, continuava sob a tutela da administração
pública federal, e os frutos da exploração eram revertidos em favor do povo,
via empresa pública de capital integralmente do Estado.
Porém, em leilão realizado em fevereiro
de 2012, o controle, administração e exploração comercial do Aeroporto de
Guarulhos foram concedidos a terceiros particulares, em consórcio formado por
empresas privadas, inclusive estrangeiras. “Isso significa que, ao invés de a
exploração do aeroporto atender diretamente ao interesse do povo brasileiro e
da defesa nacional, a área foi entregue a empresas para exploração econômica,
com o objetivo de lucro em favor de empresas privadas, em vez da sociedade
brasileira, como condicionaram os doadores em instrumento público”, comenta o
advogado. O imóvel, que possuía como finalidade exclusiva a segurança nacional,
foi posto a serviço de interesses privados, sem permanecer sob a jurisdição do
Ministério da Defesa.
O direito de explorar o Aeroporto de
Guarulhos pelo prazo de vinte anos, prorrogáveis por mais cinco anos, foi
concedido à Sociedade com Propósito Específico (SPE) formada pela empresa
brasileira Invepar e pela sul-africana Airports Company South Africa – ACSA,
detendo essas 51% do controle do aeroporto, passando a ser sua efetiva e real
administradora e exploradora. “A concessão, de fato, deturpou a finalidade
expressa da doação, convertendo um patrimônio doado para benefício do povo em
objeto de exploração econômica por particulares e, principalmente, sob a
jurisdição de Secretaria que não detém qualquer competência em matéria da
defesa e segurança nacional”, enfatiza o advogado.
“Desse modo, a partir da assinatura do
contrato de concessão foram descumpridos não apenas a incumbência expressamente
prevista no documento firmado em 1940, como, especialmente, o seu propósito
maior que era o de beneficiar o povo brasileiro, havendo a quebra absoluta das
condições da doação”, conclui Goldschmidt. “Essa situação adversa motivou os
herdeiros a nos procurar para reaver, junto à Justiça, o que lhes cabe por
direito”. Segundo ele, a notificação é o primeiro passo para resolver a
situação sem que haja necessidade de entrar com uma ação judicial.
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