Família quer indenização
pelo uso indevido das terras pelo descumprimento dos termos originais de doação
da área
O escritório Andrade
Maia Advogados protocolou ontem (05), na Vara Federal da Justiça Federal de
Guarulhos, notificação judicial que alerta para o descumprimento dos termos
previstos na doação de terra onde, atualmente, está localizado o Aeroporto
Internacional de Guarulhos (Cumbica), em São Paulo.
A doação da área foi
realizada em 1940 pelas famílias Guinle e Samuel Ribeiro, através da Empreza
Agricola Mavillis, sociedade entre ambas. “Com a doação, as famílias visavam
oferecer um benefício à sociedade brasileira permitindo que, na área doada,
fosse construído um aeródromo militar sob a jurisdição do então Ministério da
Guerra. A intenção era a de ampliar e reforçar o sistema de defesa brasileiro
durante a Segunda Guerra Mundial”, conta Fabio Goldschmidt,
sócio-diretor na Andrade Maia Advogados, escritório contratado para defender os
direitos dos herdeiros. Para garantir a efetividade do objetivo proposto no ato
da doação foi realizada a ‘doação modal’ – que condiciona sua manutenção ao
cumprimento das condições previstas.
A notificação é
encabeçada por herdeiros da família Guinle (José Eduardo Guinle, Luiz Eduardo
Guinle, Octávio Eduardo Guinle, Georgiana Salles Pinto Guinle e Gabriel
Guinle). E dirigida à União, à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), à
concessionária privada responsável pela gestão do Aeroporto Internacional de
São Paulo, e, individualmente, às empresas que compõem a concessionária:
Infraero, Investimentos e Participações em Infraestrutura S.A. (Invepar) e
Airports Company South Africa (ACSA). Além destes, são também notificados os
sócios da Invepar: Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros), OAS
Investimentos S. A, Construtora OAS S.A, OAS S.A., Fundação dos Economiários
Federais (Funcef), e Caixa de Investimento dos Funcionários do Banco do Brasil
(Previ).
Os herdeiros entendem
que houve o descumprimento das condições impostas no momento da doação e a
notificação pretende prevenir responsabilidades e estabelecer um diálogo entre
as partes envolvidas. “Claro que o terreno que abriga o Aeroporto de Cumbica
vale bilhões, mas por não conter a notificação um valor líquido, preferimos,
neste momento, não estabelecer um valor para eventual demanda”, acrescenta
Goldschmidt.
Caso a notificação não
seja atendida, os herdeiros pretendem entrar com ação judicial contra as
notificadas, eventualmente acompanhada de pedidos liminares.
Para entender o contexto
da notificação:
A partir da criação da
ANAC, em 1985, a Infraero, até então subordinada aos órgãos do Ministério da
Defesa, passou a ser fiscalizada pela referida autarquia. Ainda havia, neste
momento, um vínculo entre ANAC e Ministério da Defesa, o que atendia a um dos
objetivos da doação – que transferiu o terreno para a defesa do país.
O cenário começou a
mudar em março de 2011, quando o Governo Federal criou a Secretaria de Aviação
Civil da Presidência da República, com status de Ministério. O Ministério da
Defesa permaneceu como responsável para as questões relativas à aviação
militar, e a Secretaria passou a cuidar da aviação civil. Sob sua administração
ficaram os bens e a jurisdição de todos os aeroportos civis e comerciais do
país, entre eles o Aeroporto de Guarulhos.
“Conforme verificamos”,
explica Fabio Goldschmidt, “houve quebra de uma das condições da doação: a que
exigia a manutenção das terras sob a jurisdição do Ministério da Guerra, ou
aquele que lhe sucedesse como responsável pela segurança nacional, atualmente o
Ministério da Defesa”. Entretanto, ainda assim, continuava sob a tutela da
administração pública federal, e os frutos da exploração revertiam em favor do
povo, via empresa pública de capital integralmente do Estado.
Porém, em leilão
realizado em fevereiro de 2012, o controle, administração e exploração
comercial do Aeroporto de Guarulhos foram concedidos a terceiros particulares,
em consórcio formado por empresas privadas, inclusive estrangeiras. “Isso
significa que, ao invés de a exploração do aeroporto atender diretamente ao
interesse do povo brasileiro e da defesa nacional, a área foi entregue a
empresas para exploração econômica, com o objetivo de lucro em favor de
empresas privadas, em vez da sociedade brasileira, como condicionaram os
doadores em instrumento público”, comenta o advogado. O imóvel, que possuía por
finalidade exclusiva a segurança nacional, foi posto a serviço de interesses
privados, sem permanecer sob a jurisdição do Ministério da Defesa.
O direito de explorar o
Aeroporto de Guarulhos pelo prazo de vinte anos, prorrogáveis por mais cinco
anos, foi concedido à Sociedade com Propósito Específico (SPE) formada pela
empresa brasileira Invepar e pela sul-africana Airports Company South Africa –
ACSA, detendo essas 51% do controle do aeroporto, passando a ser sua efetiva e
real administradora e exploradora. “A concessão, de fato, deturpou a finalidade
expressa da doação, convertendo um patrimônio doado para benefício do povo em
objeto de exploração econômica por particulares e, principalmente, sob a
jurisdição de Secretaria que não detém qualquer competência em matéria de
defesa e segurança nacional”, enfatiza o advogado.
“Desse modo, a partir da
assinatura do contrato de concessão foram descumpridos não apenas a incumbência
expressamente prevista no documento firmado em 1940, como, especialmente, o seu
propósito maior que era o de beneficiar o povo brasileiro, havendo a quebra
absoluta das condições da doação”, conclui Goldschmidt. “Essa situação adversa
motivou os herdeiros a nos procurar para reaver, junto à Justiça, o que lhes
cabe por direito”. Segundo ele, a notificação é o primeiro passo para resolver
a situação sem que haja necessidade de entrar com uma ação judicial.
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