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16 junho 2014

Estratégias tributárias podem afetar reputação

* Dalton Yoshio Hirata e Daniel Leib Zugman

Vários são os fatores que podem afetar a reputação de uma empresa ou de uma marca específica, como danos ao meio ambiente, má qualidade dos produtos ou serviços vendidos e até exemplos mais drásticos como a prática de crimes de colarinho branco e envolvimento com corrupção. Trata-se dos chamados riscos reputacionais, que costumam influenciar a tomada de riscos e decisões empresariais com o objetivo de evitar perda de credibilidade perante o mercado, o que, em última instância, resulta em menores lucros.
Há um tipo particular de risco reputacional que recentemente passou a ser incluído no topo das preocupações das empresas: os riscos reputacionais associados a questões tributárias.
Particularmente após a crise financeira de 2008 e seus graves impactos na economia global, os governos passaram a se esforçar para manter níveis adequados de arrecadação tributária e incentivar o desenvolvimento econômico de seus respectivos países. Nesse contexto, tem se popularizado a ideia de que grande empresas, em razão do seu papel de relevantes agentes econômicos, possuem uma responsabilidade "quase-moral" de pagar sua "justa porção" dos tributos aos países onde desenvolvem seus negócios.
Ao mesmo tempo, mídia, ONGs e público em geral vêm se tornando mais aptos a acessar e analisar informações tributárias de grandes empresas, especialmente em razão da nova tendência da transparência tributária, em que as administrações fiscais e os contribuintes têm sido pressionados a revelar mais informações sobre sua situação tributária. Além disso, a criação de bancos de dados eletrônicos e o desenvolvimento de sistemas de telecomunicações vem tornando a transmissão de informações mais fácil e barata. Ressalte-se que a utilização da transparência como instrumento para inibir esquemas de planejamento tributário agressivo é estimulada por órgãos internacionais como a OCDE, conforme consta de vários de seus relatórios.
A combinação desses fatores conduz ao inevitável cenário onde os riscos reputacionais não podem mais ser ignorados pelas empresas em suas estratégias tributárias.
Um exemplo desta tendência é a divulgação de listas que identificam contribuintes condenados por sonegar tributos ou por realizar planejamentos tributários agressivos, prática alcunhada de “name and shame” e que já vem ocorrendo em países como o Reino Unido. Outra manifestação consiste na reação popular encampada por ativistas na Europa e nos Estados Unidos contra o consumo de produtos feitos por empresas que praticam planejamentos tributários agressivos, o que chegou a impactar as vendas de multinacionais nos ramos alimentício e tecnológico.
Contudo, o cenário no Brasil com respeito aos riscos reputacionais relativos a questões tributárias possui contornos ligeiramente distintos daqueles atualmente vivenciados pelo resto do mundo - principalmente pelos países-membros da OCDE.
A noção de transparência tributária está começando a ser introduzida no país. A regulamentação do direito de acesso à informação, a discriminação dos ônus tributários em notas fiscais e a disponibilização da íntegra de soluções de consultas sobre a interpretação da legislação tributária são, por exemplo, passos importantes na direção da transparência.
No entanto, ainda não há notícia de casos no Brasil onde o grande público tenha sido negativamente influenciado pela revelação de alguma informação sobre questão tributária específica de certa empresa.
Há, de fato, casos "famosos" envolvendo empresas que são constantemente noticiados pela mídia. Contudo, a cobertura desses casos aparentemente não é motivada pela percepção negativa a respeito de determinado contribuinte, mas sim porque geralmente envolvem a definição de algum aspecto relevante e controverso da legislação tributária, ou pelo simples fato de envolverem grandes quantias e empresas conhecidas.
Além disso, mesmo que a transparência tributária represente inegável tendência no Brasil, há ainda severa proteção de informações sensíveis dos particulares com base no chamado sigilo fiscal, o que restringe o acesso a informações que poderiam repercutir de forma mais intensa no debate público.
Isso não significa que no Brasil não existam riscos reputacionais associados a questões tributárias. A propósito, as decisões proferidas pelos tribunais administrativos e judiciais são, regra geral, públicas, assim como as respectivas sessões de julgamento. É por esses canais que volumes maiores de informações tributárias são geralmente divulgados e, em razão disso, não é incomum contribuintes abrirem mão de medidas litigiosas para evitar esse tipo de exposição.
Acrescente-se, nesse contexto, que o governo brasileiro tem prestado maior atenção a grandes empresas que atuam com e-commerce no país, mas que não recolhem tributos em quantias "compatíveis" com o tamanho de seus negócios, conforme noticiado recentemente em veículos especializados.
Ademais, há situações específicas que podem atrair com maior intensidade o escrutínio público. Um bom exemplo são as transações envolvendo paraísos fiscais ou planejamentos que acabam por serem qualificados como fraude. Nesse sentido, ao longo das duas últimas décadas, casos envolvendo alegações de fraude e planejamento abusivo em relação a importações de mercadorias para posterior revenda ganharam destaque nos noticiários brasileiros, o que demonstra uma preocupação peculiar com este tipo de questão.
Em síntese, é recomendável seguir os desdobramentos da questão relativa a riscos reputacionais associados a questões tributárias no país, mormente tendo em vista as discussões que estão ocorrendo em outros países e que, num futuro próximo, podem afetar o modo como a tributação é vista no Brasil.

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Dalton Yoshio Hirata e Daniel Leib Zugman são Advogados Associados de Trench, Rossi & Watanabe e Mestres em Direito e Desenvolvimento pela Fundação Getulio Vargas/SP

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