Produzir no Brasil custa, em média, 37% mais do que fabricaro mesmo produto nos principais países desenvolvidos*. É fato reconhecido que a responsabilidade deste diferencial é do famigerado “Custo Brasil”. O peso de cada um de seus fatores, entretanto, é muito menos conhecido, o que tem levado muitos formadores de opinião a considerar que ele se restringe apenas a dois outrês componentes como carga tributária elevada, excesso de burocracia ou logística deficiente.
Na realidade, o câmbio apreciado é, de longe, seu principal vilão, contribuindo com quase metade do total. Em ordem decrescente deimportância, seguem o impacto dos juros na cadeia produtiva, cujo diferencial,em relação a nossos concorrentes internacionais, acrescenta algo como seis emeio pontos percentuais, e nosso sistema tributário, perverso e confuso que,graças aos impostos não recuperáveis, embutidos nos preços de nossos produtos,adiciona quase mais seis pontos a nossos custos.
Sem querer minimizar o efeito dos demais itens, comologística, burocracia, custo da energia, insegurança jurídica e regulatória...,é importante ressaltar que os três principais fatores, já citados, ou seja,câmbio muito valorizado, juros e sistema tributário (e não a carga tributária,por mais exagerada que seja) respondem por mais de dois terços do total do“Custo Brasil”.
Acadêmicos e formadores de opinião, aos quais se somaramultimamente até renomadas consultorias internacionais, sem se aprofundarem naanálise da composição do “Custo Brasil”, têm envidado esforços, com maior oumenor boa fé, para descobrirem um ou outro “novo” fator como se este fosse oprincipal responsável pela falta de competitividade da indústria brasileira detransformação.
Assim, nos últimos anos, a solução para a competitividade daindústria brasileira já passou, sucessivamente, por maiores investimentos emtecnologia, pelo aumento da inovação, pela participação nas cadeias globais devalor, pela maior produtividade do trabalhador brasileiro e, finalmente, pornovos acordos comerciais bilaterais ou multilaterais e por mais abertura.
Todos são itens importantes, mas não atingem o essencial. O grosso dos problemas da indústria brasileira deriva de fatores sistêmicos que,como o próprio nome diz, são de responsabilidade do Brasil que,lamentavelmente, oferece a quem produz ou quer produzir no país um ambiente hostil, tanto no campo micro e macro econômico, quanto nas normas legais e regulatórias, prolixas e confusas, que levam a uma forte insegurança jurídica,ou ainda na infraestrutura deficiente e cara.
Para ficar apenas no tema proposto no título, vou me limitara algumas observações sobre os últimos modismos, em matéria de competitividade,que é a proposta de nossa completa e incondicional abertura comercial e de umamaior integração nas cadeias globais de valor, como solução para nossa baixacompetitividade.
A abertura e a integração, no dizer destes senhores, irão“promover a necessária pressão competitiva que empurrará as empresasbrasileiras a inovar, investir e modernizar”** com o resultado de “poderacrescentar 1.25 pontos percentuais ao crescimento médio anual do PIB”.** Parareforçar a argumentação, citam, em contrapartida ao desempenho da indústria,nossa agricultura e a Embraer como exemplos de sucesso, decorrentes deabertura, integração e investimentos em tecnologia.
A análise é simplista e parcial: a Embraer é uma espécie dezona franca que pode importar tudo sem quaisquer impostos e não somente sem oimposto de importação; tem a maioria de seu capital de giro financiado peloBNDES a juros internacionais e tem o privilégio único de dividir suas despesasde engenharia e inovação com o Estado via ITA/CTA e ainda custear seu P&Datravés de encomendas governamentais que pagam os investimentos necessáriospara desenvolver novos produtos. Na prática, ela não tem “Custo Brasil”.
Por outro lado, nossa agricultura, sem tirar nenhum de seusméritos que são muitos, teve a sorte de ver alguns de seus principais produtosterem os preços duplicados ou triplicados, principalmente em função da demanda chinesa, ao longo das duas últimas décadas, o que lhe permitiu anular, comfolga, o “Custo Brasil”, passando, assim, a ter condições de investir em equipamentos e tecnologia.
De fato, muito mais que a alegada abertura nos anos 90, foio efeito preço o principal responsável pelo brilhante desempenho do setor. Paraconfirmar o fato, basta citar o caso de muitas outras culturas como a da cana que, apesar do uso de equipamentos modernos e de dispor do apoio tecnológico da Embrapa, viu seus custos subirem, ao contrário de seus preços de venda, comresultados tão ou mais desastrosos dos da indústria de transformação.
Um país comercialmente mais aberto tende, sem dúvida, a sermais eficiente do que um país mais fechado, entre outra razões, pelo fato depermitir o acesso de sua indústria a insumos, componentes e bens de capital apreços menores dos que se estes tivessem que pagar o imposto de importação.Entretanto, face às assimetrias competitivas existentes, defender maisabertura, antes de arrumar minimamente a casa, é um desserviço aodesenvolvimento do país.
O problema é que a redução das alíquotas de importação oumesmo sua eliminação barateia o preço dos insumos, mas, simultaneamente, reduzo preço do produto industrializado importado, em um grau maior ainda, piorandoainda mais a competitividade da indústria brasileira, com exceção apenasdaqueles poucos setores que contam com forte vantagem comparativa. Ou seja, sema redução do “Custo Brasil”, se é ruim com proteção alfandegária, é muito piorsem ela.
Do mesmo modo, a integração nas cadeias globais de valor éuma boa ideia, se considerada isoladamente. Na realidade, entretanto, nossamaior ou menor integração não é uma questão de vontade por parte do industrialbrasileiro, como parecem pensar alguns dos que defendem a medida. É muito maisuma questão de poder do que de querer.
Nas atuais condições, sem competitividade e sem um fortesetor de serviços que nos leve para cima na cadeia de valor, vamos ficarrestritos às operações mais simples destas cadeias, entrando basicamente commatérias primas e mão de obra barata. A questão central, portanto, é como seintegrar nestas cadeias com produtos e serviços de maior valor agregado. Do mesmomodo, não é a simples assinatura de mais acordos comerciais que vai aumentar aexportação de nossos manufaturados e, sim, a recuperação da competitividade denossos produtos.
Na realidade, os “novos fatores”, apresentados como se cadaum fosse nosso problema central, isoladamente, não resolvem a questão dacompetitividade de nossa indústria; atacá-los pode ajudar a melhorar aprodutividade da indústria brasileira, sem dúvida, desde que as causasprincipais de nossa ineficiência sejam enfrentadas antes, conforme a ordem deimportância estabelecida pelo peso dos diversos itens do “Custo Brasil”.
A necessidade de ganharmos tempo na recuperação de nossoatraso tanto na competitividade sistêmica quanto na setorial e empresarialjustifica atacarmos vários fatores simultaneamente, mas sempre sem perder devista a importância de cada um. A construção de nossa competitividade devecomeçar pelas fundações e pelas colunas de sustentação em seguida, e não peloteto, se quisermos ser bem sucedidos.
(*) estudo da ABIMAQ, para BKs, usando Alemanha e EstadosUnidos como referência
(**) MacKinsey G.I. – Connecting Brazil to the world: A path to inclusive growth
* Mario Bernardini é diretor de competitividade da ABIMAQ
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