Um dos maiores nomes da resistênciacultural no Brasil durante a ditadura, LeonCakoff, fundador da MostraInternacional de Cinema de São Paulo, morreu hoje, sexta-feira dia 14outubro, às 13 horas, por conta de complicações decorrentes de um melanoma –câncer que atinge o tecido epitelial. Ele estava internado há duas semanas noHospital São José, em São Paulo. O corpo será velado no Museu da Imagem e doSom - MIS de São Paulo, (Av. Europa, 158 - Jardim Europa) a partir das 17 horasde hoje até às 12 horas de sábado (15). O corpo seguirá para o MemorialParque Paulista (R. Dr. Jorge Balduzzi, Nº 520,Jd. Das Oliveiras - Embu Das Artes), onde será cremado.
Leon Cakoff nasceu Leon Chadarevian emAlepo, na Síria, em 12 de junho de 1948. Veio para o Brasil com a família aosoito anos de idade e formou-se pela Escola de Sociologia e Política de SãoPaulo. Por problemas com o regime militar, adotou o pseudônimo Cakoff, quenunca mais abandonou.
Leon foi casado durante 22 anos com Renata de Almeida, atual diretora daMostra. Ela dirige a Mostra a seu lado desde a 13ª edição do evento, em 1989. Deixadois filhos com ela, Jonas e Thiago, além de dois filhos anteriores do primeirocasamento, Pedro e Laura.
Ele começou a carreira em 1969 como jornalistae depois crítico de cinema nos DiáriosAssociados. A partir de 1974, dirigiu o Departamento de Cinema do Museu deArte de São Paulo (Masp) e iniciou a programação de mostras e ciclos no museu.
Em 1977, para comemorar os 30 anos doMasp, Leon criou a 1ª Mostra Internacional de Cinema, com 16 longas e 7 curtasbrasileiros e internacionais. Logo no primeiro ano, foi criada uma das maioresmarcas do festival, o prêmio com o voto do público, que na primeira edição foipara Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia,de Hector Babenco. Um artigo do Jornal do Brasil registra que “a Mostra é oúnico lugar onde se pode votar no país”.
Desde a primeira edição, Leon travouuma luta ferrenha contra a censura imposta pelo regime militar, trazendo filmesaté por meio de malas diplomáticas de embaixadas e consulados. Foi assim que aMostra exibiu filmes inéditos vindos da China, Cuba, União Soviética, França e dosmais distantes países.
A partir de 1984, Leon desligou-se doMasp e carregou consigo o evento. A 8ªMostrafoi marcada por alguns dos maiores embates contra a censura. É o anoda histórica sessão de O Estado dasCoisas de Wim Wenders no Cine Metrópole, ao fim da qual ele subiu ao palcopara anunciar a ordem federal de fechamento do cinema e interrupção dofestival. O fato repercutiu em diversos jornais no exterior. Leon conseguiuretomar as projeções quatro dias depois.
Grandescineastas
Ao longo dos 35 anos de Mostra, Leonintroduziu no Brasil o cinema de grandes autores que de outra forma não teriamchegado ao público nacional. Todos esses diretores tornaram-se também seus amigospessoais. É o caso do português Manoelde Oliveira, o cineasta mais velho do mundo em atividade, hoje com 102anos, de quem a Mostra apresentou regularmente os filmes a partir de Amor de Perdição (1979, na 3ª Mostra); o iraniano Abbas Kiarostami, diretor de Gosto de Cereja e Cópia Fiel; e o israelense AmosGitai, diretor de Kadosh e Alila. Todos vieram inúmeras vezes a SãoPaulo como convidados ou membros do Júri internacional da Mostra.
Outros grandes diretores que passarampela Mostra foram o americano QuentinTarantino com seu primeiro filme, Cãesde Aluguel (1992, 16ª Mostra); oespanhol Pedro Almodóvar, que abriua 19ª Mostra em 1995 com A Flor do Meu Segredo; o americano Dennis Hopper, que veio a São Paulo em1984 apresentar O Último Filme; oalemão Wim Wenders, que veio a SãoPaulo na 32ª e na 34ª Mostra; o diretor de fotografiamexicano Gabriel Figueroa, quetrabalhou com John Huston e Luís Buñuel, convidado da 19ª Mostra em 1995; o iraniano JafarPanahi, hoje mantido em prisão domiciliar pelo governo do Irã; o sérvio Emir Kusturica e o finlandês Aki Kaurismaki, entre tantos outros.
Produtor,diretor e escritor
Leon Cakoff também foi o produtor deimportantes projetos que reuniram grandes diretores. Em 2004, ele organizou elançou na 28ª Mostrao filme Bem-Vindo a São Paulo, reunião decurtas sobre a cidade dirigidos por 12 cineastas, entre eles Caetano Veloso, Phillip Noyce, Maria deMedeiros, Daniela Thomas, Amos Gitai eTsai Ming-Liang. Foi também o produtor de O Mundo Invisível, filme inédito que reúne curtas de Manoel de Oliveira, Wim Wenders e Atom Egoyan, que terá exibição na 35ªMostra.
Leon dirigiu ainda os curtas Volte Sempre Abbas (1999) e Natureza-Morta (2004), ambos emparceria com Renata de Almeida, e EsperandoAbbas (2004).
Ele escreveu os livrosGabriel Figueroa – O Mestre do Olhar,grande entrevista com o mexicano; AindaTemos Tempo, com crônicas de viagem ligadas a cinema; Cinema Sem Fim, com a história dos 30 anos da Mostra; e Manoel de Oliveira, uma grandeentrevista sua com o cineasta português.
Distribuidore exibidor
Além de programador e produtor, Leontambém atuou nas outras pontas do mercado cinematográfico. Em 2000, junto comAdhemar Oliveira, Patrícia Durães e Renata de Almeida, formou a distribuidora Mais Filmes, especializada em filmes deautor. Nos últimos anos, mantinha, com Renata de Almeida, a Filmes da Mostra, que lança filmes emcinema (como Tio Boonmee..., vencedorda Palma de Ouro em Cannes) e coleções em DVD, em parceria com a LivrariaCultura.
Com Adhemar, ele era sócio desde 2001do Unibanco Arteplex, primeirocinema do Brasil a usar o conceito de multiplex para incluir filmes de arte daprogramação.
FRASES
“A história da Mostra Internacional deSão Paulo é o relato de uma batalha constante contra a censura, as leisarbitrárias, o descaso pela cultura. É, finalmente, uma luta pela criação epreservação de uma memória coletiva” – WalterSalles, cineasta de Central do Brasile Diários de Motocicleta
“Admiro as pessoas que têm visão, umsonho, a coragem e a determinação de não apenas realizá-lo, mas também deperseverar, não deixá-lo morrer. É o caso do Leon, que foi o primeiro de nós aviajar para o Festival de Cannes (...), onde nasceu e começou a ser germinada aideia de realizar um festival de cinema na cidade de São Paulo.” – Rubens Ewald Filho, crítico de cinema
“Atravessam-se continentes e oceanospara perceber que estranhamente, nas profundezas do planeta, um amigo quepertence a uma cultura radicalmente diferente da nossa fala muito mais àvontade a nossa ‘língua’ e a nossa ‘linguagem’ que nossos próprioscompatriotas. Na casa do Leon, (...) surpreendo-me de encontrar as paisagenstão familiares de meu próprio país” – AbbasKiarostami, cineasta iraniano, diretor de Gosto de Cereja e Cópia Fiel