Carlos Frederico Zimmermann Neto*
A remuneração dos médicos que trabalham em hospitais brasileiros passou por
uma transformação nos últimos anos. É comum os hospitais obrigarem seus médicos
empregados e, portanto, regidos pela CLT, a constituir “pessoas jurídicas” para
que possam receber parte da remuneração, quando não a totalidade de sua
remuneração. Assim, fazendo com que o profissional da Medicina tenha uma
relação de emprego escamoteada, causando-lhe evidente prejuízo.
Também se tornou prática comum, os hospitais obrigarem terceiros a pagar os
honorários médicos, diretamente, ao profissional, sejam eles clientes do
hospital ou dos convênios médicos. Em algumas oportunidades, os hospitais fazem
a retenção de parte destes valores, a título, por exemplo, de taxa de
administração.
Tais práticas visam o não pagamento dos encargos trabalhistas. Porém, a
prática não é admitida pela legislação, doutrina e jurisprudência, como regra
geral. Primeiro, pela obrigação de constituir uma “pessoa jurídica”, quando na
verdade ela serve apenas de fachada para o pagamento da remuneração. Por
exemplo, ao invés de pagar para o “Dr. João dos Anzóis”, paga-se para a
“Clínica Médica Anzóis”.
E a fraude é facilmente constatada, pois muitas destas “pessoas jurídicas”
são constituídas por colegas que jamais prestaram serviço para o hospital.
Vale ressaltar também que todo valor recebido pelo empregado por força do
contrato de trabalho tem natureza salarial. Ou seja, integra a remuneração do
empregado e serve de base para o cálculo e pagamento das demais verbas
salariais e rescisórias.
Assim, se o médico recebe o salário mensal de R$ 5 mil e recebe mais R$ 5
mil de clientes ou convênios médicos do próprio hospital, a base de cálculo,
por exemplo, do FGTS, das férias e da gratificação natalina não é R$ 5 mil, e
sim de R$ 10 mil. E são estas diferenças que o empregador tem que arcar, além
dos encargos previdências e fiscais.
Em recente decisão, a 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São
Paulo (TRT-SP) ratificou essa tese e condenou o Hospital Oswaldo Cruz ao
pagamento das diferenças do salário, acrescido dos encargos previdenciários e
fiscais, a um médico ex-empregado, que recebia parte de sua remuneração de
terceiros e por meio de “pessoa jurídica”, prática não admitida.
A Justiça do Trabalho entendeu que todos os valores recebidos pelo médico
tinham natureza salarial, com isso, determinou que o Hospital integrasse os
respectivos valores e pagasse as diferenças sobre o aviso prévio, férias,
gratificações natalinas e o FGTS. Estas práticas são usuais, mas, dificilmente,
encontram guarida nos nossos Tribunais do Trabalho. Provavelmente, o hospital
deverá interpor recurso para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Trata-se de uma decisão incomum, pois os hospitais têm conseguido êxito
nestas reclamações trabalhistas, não obstante a mesma prática ser coibida em
outros setores produtivos. Esperamos que os inclítos julgadores trabalhistas
comecem a rever seus conceitos na remuneração dos médicos e que esses
profissionais tenham os seus direitos resguardados.
* Carlos Frederico Zimmermann Neto é doutor, mestre e especialista em
Direto do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP, professor de Direito do
Trabalho e Processo do Trabalho na Faculdade de Direito da FMU e da UNIP, autor
de livros jurídicos e palestrante da OAB/SP e sócio do escritório Zimmermann
Neto Advocacia Empresarial e Trabalhista – zimmermann@zn.adv.br